A Política de Lovecraft

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Para muitos de seus admiradores, as coisas mais assustadoras que H.P. Lovecraft escreveu não eram sobre Cthulhu, eram sobre política. Mas, como eu espero demonstrar, a política desse mestre do horror metafísico, irracional, iminente está solidamente fundada na realidade e na razão. Lovecraft, como muitos dos letrados que se voltaram para a política de esquerda ou de direita no início do século XX, estava preocupado com o impacto do capitalismo e da tecnologia na sociedade e na cultura. O reducionismo econômico do capitalismo era simplesmente espelhado no marxismo, ambos sendo emanações do mesmo Zeitgeist materialista moderno.

Começando ao fim do século XIX, um descontentamento penetrante com o materialismo levou a uma busca por uma forma alternativa de sociedade, incluindo fundações alternativas para o socialismo, que ocupou as mentes dos principais socialistas europeus como Georges Sorel. O que emergiu no início do século XX foi variadamente chamado “neo-socialismo” e “planismo”, tendo como maiores expoentes Marcel Deat na França e Henri De Man na Bélgica. O neo-socialismo, por sua vez, influenciou a ascensão do fascismo.

Os neo-socialistas temiam primariamente que a abundância material e o ócio prometidos pelo socialismo levariam à decadência e banalidade a não ser que unidas a uma visão hierárquica da cultura e da educação.

Essa era, por exemplo, o foco de A Alma do Homem sob o Socialismo de Oscar Wilde, que visualizava um socialismo individualista que liberava a humanidade da necessidade econômica para buscar a auto-atualização e atividades culturais e espirituais superiores, ainda que essas não consistissem em mais do que contemplar silenciosamente o cosmo.

Tais preocupações não podem ser descartadas como dandismo afeminado. Elas eram partilhadas, por exemplo, pelo famoso político trabalhista neozelandês da era da Crise John A. Lee, um herói de um só braço da Primeira Guerra Mundial que mais do que qualquer outro indivíduo tentou pressionar o governo trabalhista de 1935 a manter suas promessas eleitorais em relação aos bancos e ao crédito público. Nas palavras de Lee:

“Joe Savage…vê o socialismo como pilhas de bens razoavelmente bem distribuídos e trabalho equitativamente dividido. Eu tenho certeza que ele nunca o vê como a oportunidade de jogar futebol, se bronzear na praia, dançar foxtrot, deixar sob a sombra de árvores, desfrutar da intoxicação do verso, o perfume de flores, as alegrias de um livro, a emoção da música”.

Lee visualizava uma forma de socialismo que não estava primariamente dirigida a “pilhas de bens e trabalho equitativamente distribuídos” como um fim em si mesmo, mas como meio de alcançar níveis superiores de ser.

Essas preocupações neo-socialistas também eram partilhadas pelos fascistas e Nacional-Socialistas. Combatendo os efeitos enervadores e niveladores da riqueza e do ócio, e edificando os caráteres e gostos das massas eram os objetivos doDopolavoro na Itália Fascista e do Kraft Durch Freude na Alemanha Nacional-Socialista, independentemente do quanto isso possa ser inquietante para os socialistas de esquerda.

Enquanto parece improvável que Lovecraft tivesse consciência desse tumulto ideológico no socialismo europeu, ele chegou a conclusões similares em algumas áreas centrais.

Lovecraft, como outros escritores que rejeitaram o marxismo, considerava tanto a democracia como o comunismo “falaciosos para a civilização ocidental”. Ao invés, Lovecraft favorecia:

“…um tipo de fascismo que possa, enquanto ajuda as massas perigosas às custas dos desnecessariamente ricos, não obstante preservar o essencial da civilização tradicional e deixar o poder político nas mãos de uma classe governante pequena e cultivada (mas não excessivamente rica) majoritariamente hereditária, porém sujeita a uma ampliação gradual conforme outros indivíduos ascendam a seu nível cultural.”

Lovecraft temia que o socialismo, como o capitalismo, pavimentaria o caminho para a proletarização universal e consequente nivelamento da cultura. Assim ele propunha ao invés o pleo emprego e o encurtamento do dia de trabalho pela mecanização sob a orientação cultural de um regime fascista-socialista aristocrático.

Isso novamente era provavelmente um intuição perceptiva a que Lovecraft chegou de forma independente, mas era de modo geral parte do novo pensamento econômico à época. Na Inglaterra, a revista socialista fabiana, The New Age, editada pelo socialista de guilda A. R. Orage, se tornou um fórum para discutir a teoria do “Crédito Social” do major C. H. Douglas, que era proposta como uma alternativa ao sistema financeiro de dívida, com a emissão de um “crédito social” para todos os cidadãos através de um “Dividendo Nacional” permitindo que o valor total da produção seja consumido. Eles também objetivavam promover a mecanização para reduzir as horas de trabalho e aumentar o tempo de ócio, que eles pensavam poder conduzir a um florescimento da cultura. (Essas idéias tem relevância renovada na medida em que o dia de trabalho de oito horas, a dura conquista dos primórdios do movimento trabalhista, está perdendo terreno).

Tanto Ezra Pound como o poeta neozelandês Rex Fairburn eram defensores do Crédito Social porque eles julgavam ser este o melhor sistema econômico para as artes e a cultura.

Lovecraft estava preocupado com a eliminação das causas da revolução social, e ele defendia a limitação da vasta acumulação de riqueza, ao mesmo tempo reconhecendo a necessidade de manter disparidades de renda baseadas no mérito. Sua preocupação era a eliminação dos “oligarcas comerciais”, o que em termos práticos era o propósito do Crédito Social e dos neo-socialistas.

Ao mesmo tempo que considerava como o objetivo primário de uma nação o desenvolvimento de altos níveis estéticos e intelectuais, Lovecraft reconhecia que tal sociedade deve se basear na organização social tradicional de “ordem, coragem e resistência”, sua definição de civilização sendo o de um organismo social devotado a um “objetivo qualitativo superior” mantido pelo ethos supramencionado.

Lovecraft pensava que a ordem social hierárquica mais adequada para as praticidades da nova era da máquina era uma “fascista”. O “estímulo demanda-oferta” substituiria o estímulo de lucro em uma economia dirigida pelo Estado que reduziria as horas de trabalho e aumentaria as horas de ócio. O cidadão poderia então ser elevado culturalmente e intelectualmente tão longe quanto suas habilidades inatas permitissem, “de modo que esse ócio será o de uma pessoa civilizada ao invés do de um tolo frequentador de cinemas, salões de dança e mesas de sinuca”.

Lovecraft não via sabedoria no sufrágio universal. Ele defendia um tipo de neo-aristocracia ou meritocracia, com direito a voto e ocupação de cargos públicos “extremamente restrito”. Uma civilização tecnológica especializada havia tornado o sufrágio universal “uma zombaria e uma troça”. Ele escreveu que, “as pessoas não possuem geralmente a perspicácia para dirigir uma civilização tecnológica efetivamente”. Esse princípio antidemocrático Lovecraft mantinha como verdadeiro independentemente de posição social ou econômica, fosse como trabalhador braçal ou como acadêmico.

O voto desinformado sobre o qual a democracia se apoia, Lovecraft escreveu, “é motivo de gargalhadas cósmicas tumultuosas”. A participação universal significava que o desqualificado, geralmente representando algum “interesse oculto”, assumiria o cargo com base em ter “a língua mais escorregadia” e “os slogans mais chamativos”.

Sua referência a “interesses ocultos” só pode se referir a sua compreensão da natureza oligárquica da democracia. Isso teria que ser substituído por “um governo fascista racional”, onde o cargo demandaria um teste de conhecimento de economia, história, sociologia e administração, ainda que todos – com a exceção de estrangeiros não-assimiláveis – teriam a oportunidade de se qualificarem.

Um ano após Mussolini tomar o poder em 1922 Lovecraft escreveu que, “a democracia é um falso ídolo – um mero slogan e uma ilusão de classes inferiores, visionários e civilizações agonizantes”. Ele viu na Itália Fascista “o tipo de controle social e político autoritário que é o único capaz de produzir coisas que tornam a vida digna de ser vivida”.

É também por isso que Ezra Pound admirava a Itália fascista, escrevendo “Mussolini disse a seu povo que a poesia é uma necessidade para o Estado“. E: “Eu não acredito que qualquer estimativa de Mussolini será válida a não ser que parta de sua paixão pela construção. Trate-o como artifex e todos os detalhes se encaixam. Tome-o como qualquer coisa além de um artista e você se perderá nas contradições”.

Tais figuras como Pound, Marinetti e Lovecraft viam o fascismo como um movimento que poderia com sucesso subordinar a civilização moderna tecnológica à alta arte e cultura, liberando as massas de uma cultura popular commoditizada crua e brutalizante.

Lovecraft pensava que o cosmos era indiferente à humanidade e conclui que o único sentido da existência humana era atingir níveis cada vez mais altos de desenvolvimento mental e estético. O que Sir Oswald Mosley chamava atualização a Formas Superiores em seu pensamento no pós-guerra, e o que Nietzsche chamava de objetivo do Homem Superior e do Super-Homem, não poderia ser alcançado através dos “baixos padrões culturais de uma maioria subdesenvolvidas. Tal civilização de mero trabalhar, comer, beber, procriar e vagamente vagabundear ou brincar não é digna de ser mantida”. É uma forma de morte que se arrasta e é particularmente dolorosa para a elite cultural.

Lovecraft era bastante influenciado por Nietzsche e Oswald Spengler. Ele reconhecia a natureza cíclica orgânica de nascimento, juventude, maturidade, senilidade e morte culturais como a base da história da ascensão e queda de civilizações. Assim a crise trazida à civilização ocidental pela era das máquinas não era única. Lovecraft cita O Declínio do Ocidente de Spengler como suporte para sua visão de que a civilização havia alcançado o ciclo de “senilidade”.

Lovecraft via o declínio cultural como um lento processo que abarca 500 a 1000 anos. Ele buscava um sistema que poderia superar as leis cíclicas de decadência, o que era também a motivação do fascismo. Lovecraft acreditava ser possível restabelecer um novo “equilíbrio” ao longo do 50 a 100 anos, afirmando: “Não há necessidade de se preocupar com a civilização desde que a linguagem e a tradição artística geral sobrevivam”. A tradição cultural deve ser mantida acima e além das mudanças econômicas.

Em 1915, Lovecraft estabeleceu sua própria revista política chamada O Conservador, que foi lançada por 13 edições até 1923. O foco da revista era defender altos padrões culturais, particularmente no campo das Letras, mas também se opunha ao pacifismo, ao anarquismo, e ao socialismo e apoiava um “militarismo moderado e sadio” e o “pan-saxonismo”, significando que “a dominação do inglês e raças aparentadas sobre as divisões inferiores da humanidade”.

Como os neo-socialistas na Europa, Lovecraft se opunha à concepção materialista da história como sendo igualmente burguesa e marxista. Ele via o comunismo como “destruindo o gosto pela vida” em prol de uma teoria. Rejeitando o determinismo econômico como o motivo primário da história, ele via “aristocratas naturais” emergindo de todos os setores de uma população independentemente de status econômico. O objetivo de uma sociedade era substituir “a excelência pessoal por aquela de uma posição econômica” que é, apesar da oposição declarada de Lovecraft ao “socialismo”, não obstante essencialmente o mesmo que o “socialismo ético” proposto por Henri De Man, Marcel Deat, et al. Lovecraft via o fascismo como a tentativa de alcançar essa forma de aristocracia no contexto da sociedade industrial e tecnológica moderna.

Lovecraft via a busca da “igualdade” como uma razão destrutiva para uma “revolta atávica” contra a civilização por aqueles que se sentem desconfortáveis com cultura. O mesmo motivo era a raiz do bolchevismo, da Revolução Francesa, o culto de “volta à natureza” de Rousseau, e os racionalistas do século XVIII. Lovecraft via que a mesma revolta estava sendo assumida por “raças atrasadas” sob a liderança dos bolcheviques.

Essas visões são claramente nietzscheanas, mas elas ainda mais especificamente se assemelham as de A Revolta Contra a Civilização: A Ameaça do Sub-Humano, pelo então popular autor Lothrop Stoddard, cuja obra teria certamente atraído Lovecraft, com sua preocupação pela manutenção e renascimento da civilização e rejeição de credos niveladores.

Ainda que Lovecraft rejeitasse o igualitarismo, ele não defendia uma tirana que reprimisse as massas em benefício dos poucos. Ao invés, ele via o governo de uma elite como meio necessário para alcançar os objetivos superiores de atualização cultural. Lovecraft desejava ver a elevação do maior número possível. Lovecraft também rejeitava divisões de classe como “cruéis”, seja emanando do proletariado ou da aristocracia. “Classes são algo de que devemos nos livrar ou minimizar – e não algo a ser oficialmente reconhecido”. Lovecraft propunha substituir a luta de classes por um estado integral que refletisse a “corrente cultural geral”. Entre o indivíduo e o Estado haveria uma lealdade de mão dupla.

Lovecraft considerava o pacifismo como uma “evasão e ar quente idealista”. Ele declarou o internacionalismo “uma ilusão e mito”. Ele via a Liga das Nações como uma “ópera cômica”. As guerras são uma constante na história e para elas devem se preparar pela conscrição universal. Historicamente, a guerra havia fortalecido a “fibra nacional”, mas a guerra mecanizada havia negado o processo; na verdade a destruição tecnológica em massa da Primeira Guerra Mundial era amplamente reconhecida como disgênica. Não obstante, o europeu, e especificamente o anglo-saxão, deve manter sua supremacia pelo poder de fogo, pois “a bala de um adversário é mais doce que o chicote de um mestre”. Porém, como se deve esperar de um antimaterialista, Lovecraft repudiava a causa moderna típica da guerra, aquela de lutar por supremacia mercantil, “a defesa de sua própria terra e raça sendo o objetivo adequado do armamento”.

Lovecraft via a representação judaica nas artes como responsável pelo que Francis Parker Yockey chamaria de “distorção cultural”. A cidade de Nova Iorque havia sido “completamente semitizada” e perdida para o “tecido nacional”. A influência semítica na literatura, teatro, finanças e propaganda criaram uma cultural e ideologia artificiais “radicalmente hostis à atitude viril americana”. Como Yockey, Lovecraft via a Questão Judaica como uma questão de uma “tradição cultural antagonista” mais do que como uma diferença de raça. Assim os judeus poderiam teoricamente ser assimilados a uma tradição cultural americana. O problema do negro, porém, era um de biologia e deve ser reconhecido pela manutenção de uma “linha de cor absoluta”.

Esse breve esboço é suficiente, eu penso, para demonstrar que Lovecraft pertence a uma ilustre lista de gênios criativos do século XX – incluindo W. B. Yeats, Ezra Pound, D. H. Lawrence, Knut Hamsun, Henry Williamson, Wyndham Lewis e Yukio Mishima – cuja rejeição do materialismo, igualitarismo e decadência cultural os fez buscar por uma alternativa hierárquica vital tanto ao capitalismo como ao comunismo, uma busca que os levou a considerar e abraçar idéias protofascistas, fascistas ou nacional-socialistas.

Source: http://legio-victrix.blogspot.com/2014/04/kerry-bolton-politica-de-lovecraft.html [3]